A discussão sobre a extradição da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), detida na Itália, coloca em evidência um mecanismo de cooperação internacional que já foi palco de longas batalhas jurídicas e diplomáticas no Brasil: a extradição. O processo, que envolve a entrega de uma pessoa a outro país para que seja julgada ou cumpra uma pena, nem sempre é simples e já mobilizou a opinião pública em diversas ocasiões.
Ao longo da história, o Brasil se viu no centro de casos complexos, envolvendo desde ex-ativistas políticos a banqueiros e figuras do esporte. Cada situação expõe as nuances dos tratados internacionais, as particularidades da legislação brasileira, que veda a extradição de cidadãos natos, e o peso das decisões políticas e judiciais que moldam o destino dos envolvidos.
O caso Cesare Battisti
Um dos processos de extradição mais longos e controversos da história recente do Brasil foi o do italiano Cesare Battisti. Ex-membro do grupo Proletários Armados pelo Comunismo, ele foi condenado à prisão perpétua na Itália por quatro assassinatos cometidos na década de 1970. Battisti sempre alegou inocência e se considerava um perseguido político.
Após fugir da Itália, ele viveu na França e no México antes de chegar ao Brasil em 2004. Foi preso em 2007, e o governo italiano formalizou o pedido de extradição. O caso se arrastou por anos nos tribunais brasileiros. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a extradição, mas determinou que a palavra final seria do presidente da República.
No último dia de seu mandato, em 31 de dezembro de 2010, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) negou a extradição e concedeu a Battisti o status de refugiado. A decisão gerou uma crise diplomática com a Itália. Em 2018, com a mudança de governo no Brasil, o STF emitiu uma nova ordem de prisão. Battisti foi capturado na Bolívia em janeiro de 2019 e enviado diretamente para a Itália para cumprir sua pena.
A fuga e captura de Salvatore Cacciola
O banqueiro Salvatore Cacciola, dono do falido Banco Marka, protagonizou outro caso notório. Ele foi condenado por crimes financeiros, incluindo gestão fraudulenta e peculato, relacionados à maxidesvalorização do real em 1999. Antes de ser julgado, Cacciola, que tinha dupla cidadania, fugiu para a Itália em 2000.
A condição de cidadão italiano dificultou o processo de extradição. Por anos, ele viveu livremente na Itália, enquanto a justiça brasileira buscava formas de trazê-lo de volta. A reviravolta aconteceu em 2007, quando Cacciola foi preso em Mônaco, para onde viajou a passeio. O principado não tem as mesmas restrições da Itália para extradição.
A partir de sua prisão, iniciou-se uma nova batalha judicial. Após meses de negociações e procedimentos legais, o governo de Mônaco autorizou sua entrega. Em julho de 2008, Salvatore Cacciola foi extraditado para o Brasil, desembarcando no Rio de Janeiro para começar a cumprir sua pena de 13 anos de prisão.
A condenação de Robinho
O caso do jogador de futebol Robinho é diferente, mas envolve os mesmos princípios de cooperação penal internacional. Ele foi condenado em última instância na Itália a nove anos de prisão por participação em um estupro coletivo ocorrido em Milão, em 2013. A sentença definitiva saiu em 2022, quando o atleta já estava no Brasil.
Como a Constituição Federal proíbe a extradição de brasileiros natos, a Itália não poderia solicitar sua entrega. A alternativa encontrada pela justiça italiana foi pedir que a pena fosse cumprida no Brasil. Esse procedimento é conhecido como homologação de sentença estrangeira e está previsto em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
O pedido foi analisado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em março de 2024, decidiu, por ampla maioria, que a sentença italiana era válida e deveria ser executada no território nacional. Pouco depois da decisão, Robinho foi preso pela Polícia Federal em sua casa em Santos, no litoral de São Paulo, e encaminhado para um presídio para iniciar o cumprimento da pena.
Henrique Pizzolato e o “Mensalão”
Ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato foi um dos condenados no escândalo do “Mensalão”. Em 2013, antes que sua pena fosse executada, ele fugiu para a Itália usando o passaporte de um irmão falecido. Assim como Cacciola, Pizzolato tinha cidadania italiana, o que se tornou o principal obstáculo para seu retorno ao Brasil.
As autoridades brasileiras solicitaram sua extradição, dando início a um complexo processo judicial na Itália. Inicialmente, a justiça italiana negou o pedido, argumentando que as condições das prisões brasileiras não atendiam aos padrões de direitos humanos europeus. O governo brasileiro precisou fornecer garantias de que Pizzolato teria seus direitos assegurados.
O caso chegou à mais alta Corte italiana, que reverteu a decisão anterior e autorizou a extradição. Em outubro de 2015, após quase dois anos de disputas legais e diplomáticas, Henrique Pizzolato foi entregue às autoridades brasileiras na Itália e embarcou em um voo para o Brasil para cumprir sua pena de 12 anos e 7 meses de prisão.
Ronald Biggs, o ladrão do trem pagador
Um dos casos mais cinematográficos foi o de Ronald Biggs, um dos autores do famoso assalto ao trem pagador em 1963, na Inglaterra. Após escapar da prisão britânica em 1965, ele passou por diversos países e chegou ao Brasil em 1970, onde viveu por mais de 30 anos no Rio de Janeiro.
O governo britânico tentou sua extradição, mas a lei brasileira da época impedia a entrega de pais de filhos brasileiros. Biggs teve um filho com uma brasileira, o que lhe garantiu a permanência no país. Ele se tornou uma figura folclórica, recebendo turistas em sua casa e explorando sua fama de foragido.
A situação mudou em 2001. Com a saúde debilitada e o desejo de retornar à sua terra natal, Biggs decidiu se entregar voluntariamente. Aos 71 anos, voltou para o Reino Unido, onde foi imediatamente preso para terminar de cumprir sua sentença de 30 anos. Ele foi libertado em 2009 por compaixão e faleceu em 2013.

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