Imagine trocar o pão com queijo ou o cereal matinal por um prato de macarrão. Para a maioria das pessoas, a ideia soa estranha, quase um sacrilégio culinário. No entanto, em uma pequena cidade italiana aninhada perto de Nápoles, essa é uma rotina tão comum quanto tomar um café. Bem-vindo a Gragnano, a capital mundial da massa, onde o dia começa com o alimento que tornou a Itália famosa.
Neste lugar, a tradição de consumir o prato logo pela manhã não é uma moda passageira ou uma invenção para turistas. Trata-se de um costume antigo, nascido da própria indústria que colocou a cidade no mapa global da gastronomia e que hoje desperta a curiosidade de viajantes do mundo todo.
A origem de um hábito saboroso
Para entender por que um prato de massa é o café da manhã preferido em Gragnano, é preciso voltar no tempo. A cidade, estrategicamente localizada entre as montanhas Lattari e a brisa do mar da Costa Amalfitana, possui um microclima único. A combinação de vento suave, umidade controlada e sol abundante criou as condições perfeitas para a secagem lenta e natural do macarrão, um processo crucial para a qualidade do produto final.
Desde o século XVI, Gragnano se especializou na produção de massas. As ruas da cidade foram projetadas para maximizar a circulação de ar, transformando a própria arquitetura urbana em uma grande área de secagem a céu aberto. Famílias inteiras trabalhavam nos chamados pastifici, as fábricas de macarrão. O trabalho era intenso e começava cedo.
O café da manhã com macarrão surgiu como uma necessidade prática. Os trabalhadores precisavam de energia para aguentar a longa jornada. Além disso, provar a produção do dia anterior era uma forma de controle de qualidade. Uma porção simples, muitas vezes sem molhos elaborados, garantia que a massa estava com a textura e o sabor corretos. Era um alimento de sustento, nutritivo e acessível.
O que torna a massa de Gragnano especial?
O macarrão de Gragnano não é um produto qualquer. Ele carrega o selo de Indicação Geográfica Protegida (IGP), uma certificação da União Europeia que garante sua autenticidade e qualidade. Para receber essa designação, os produtores precisam seguir regras rigorosas que preservam o método tradicional de fabricação.
Tudo começa com a seleção dos ingredientes. Apenas sêmola de trigo duro de alta qualidade e água de uma fonte local específica, dos aquíferos das montanhas Lattari, podem ser usadas. A combinação desses dois elementos já cria uma base de sabor e textura superior. Depois, vem o processo de extrusão.
A massa é moldada em matrizes de bronze, conhecidas como trafilatura al bronzo. Esse método, mais antigo e lento que o de teflon usado na indústria moderna, confere à superfície do macarrão uma porosidade e rugosidade únicas. Essa textura áspera é o segredo para que o molho adira perfeitamente à massa, em vez de escorrer para o fundo do prato.
Por fim, a secagem acontece de forma lenta e em baixas temperaturas, um processo que pode levar de seis horas a dois dias, dependendo do formato da massa. Essa paciência é fundamental para preservar os nutrientes e as propriedades organolépticas do trigo, resultando em um produto com aroma e sabor inconfundíveis, e que mantém a consistência firme após o cozimento, o famoso “al dente”.
Como é o macarrão matinal?
Esqueça pratos pesados como carbonara ou lasanha. O café da manhã em Gragnano é mais simples e funcional. Geralmente, consiste em massas curtas, como tubetti ou paccheri, preparadas de maneira leve. Uma das versões mais tradicionais é simplesmente temperar a massa cozida com um fio de azeite de oliva extra virgem e alho.
Outra preparação comum envolve um molho de tomate fresco e simples, feito com poucos ingredientes para não sobrecarregar o paladar logo cedo. Em alguns casos, a massa do café da manhã é uma sobra do jantar do dia anterior, como uma pasta e fagioli (massa com feijão), reaquecida para fornecer energia e conforto.
O objetivo não é uma experiência gourmet, mas uma refeição que nutre e prepara para o dia. A tradição reflete a alma trabalhadora da cidade, onde a comida sempre esteve ligada à funcionalidade e ao aproveitamento integral dos recursos.
Um destino para amantes da boa mesa
Hoje, Gragnano transformou sua herança em um poderoso atrativo turístico. A cidade atrai amantes da gastronomia que desejam ver de perto como a melhor massa do mundo é feita. É possível visitar os pastifici artesanais, muitos ainda administrados pelas mesmas famílias há gerações, e acompanhar todo o processo de produção.
As visitas guiadas geralmente terminam com uma degustação, onde os visitantes podem provar a massa fresca, preparada de formas que ressaltam sua qualidade. Além das fábricas, a “Valle dei Mulini” (Vale dos Moinhos) é um ponto turístico fascinante. Lá, ruínas de antigos moinhos de água que moíam o grão de trigo contam a história do início dessa indústria.
Em Gragnano, o café da manhã com macarrão não é uma excentricidade, mas a mais pura expressão de uma identidade construída grão a grão, que celebra a tradição a cada garfada matinal.

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