Como a TV Manchete marcou a história da televisão no Brasil

Como a TV Manchete marcou a história da televisão no Brasil

A recente notícia sobre a morte de Nobuo Yamada, a voz por trás das canções de abertura de “Os Cavaleiros do Zodíaco”, trouxe de volta a memória de uma era transformadora da televisão brasileira. Foi na tela da TV Manchete que uma geração inteira ouviu pela primeira vez os acordes de “Pegasus Fantasy”, marcando o início de uma febre que mudaria para sempre o consumo de animações japonesas no país.

Fundada em 5 de junho de 1983 por Adolpho Bloch, a emissora nasceu com a promessa de ser um padrão de qualidade, inspirada no slogan “A televisão do ano 2000”. Com investimentos robustos em equipamentos de ponta e uma programação ousada, a Manchete rapidamente se posicionou como uma alternativa forte no cenário televisivo, desafiando a hegemonia de outras redes e construindo um legado que perdura até hoje.

A revolução das novelas e minisséries

Desde o início, a TV Manchete buscou se diferenciar pela qualidade de suas produções dramatúrgicas. Com cenários grandiosos, fotografia cinematográfica e roteiros que fugiam do convencional, o canal lançou obras que se tornaram clássicos. A minissérie “Marquesa de Santos”, estrelada por Maitê Proença, foi um dos primeiros grandes sucessos, destacando-se pelo apuro histórico e pela produção cuidadosa.

Contudo, foi com “Pantanal”, em 1990, que a emissora alcançou um patamar inédito de popularidade. Escrita por Benedito Ruy Barbosa, a novela quebrou paradigmas ao explorar as paisagens exuberantes do Mato Grosso do Sul, com uma narrativa lenta e contemplativa. As cenas de nudez, tratadas com naturalidade, e a trama envolvente fizeram a audiência disparar, chegando a ameaçar a liderança histórica da Globo no horário nobre.

O sucesso abriu caminho para outras produções memoráveis, como “A História de Ana Raio e Zé Trovão”, uma novela itinerante que percorreu o Brasil, e “Dona Beija”, que também causou impacto por sua abordagem sensual e ousada para a época. A Manchete provou que era possível fazer teledramaturgia de alta qualidade fora dos estúdios do Projac.

A casa dos heróis japoneses no Brasil

Enquanto as novelas conquistavam o público adulto, a programação infantil da Manchete criava uma legião de fãs fiéis. O “Clube da Criança”, inicialmente apresentado por Xuxa e depois por Angélica, foi o palco para a estreia de um fenômeno que definiria a cultura pop dos anos 90: os animes e tokusatsus.

Foi a Manchete que exibiu pela primeira vez séries como “Jaspion”, “Changeman”, “Flashman” e “Jiraiya”. Esses heróis japoneses, com suas armaduras coloridas, monstros gigantes e batalhas coreografadas, eram uma novidade absoluta para o público infantil brasileiro, acostumado principalmente com desenhos americanos. A aceitação foi imediata e avassaladora.

Em 1994, a emissora deu seu passo mais ousado nesse nicho ao estrear “Os Cavaleiros do Zodíaco”. A história de Seiya e seus amigos, que lutavam para proteger a deusa Atena, tornou-se uma febre nacional. O sucesso foi tão grande que a animação dominou a grade, sendo exibida em diversos horários e impulsionando um mercado gigantesco de brinquedos, revistas e outros produtos licenciados. A Manchete se consolidou como a porta de entrada dos animes no Brasil, abrindo caminho para que outros canais investissem no formato.

Jornalismo e a cobertura de eventos marcantes

O DNA jornalístico do Grupo Bloch também se refletia na programação da TV Manchete. O “Jornal da Manchete” era conhecido por sua longa duração, formato analítico e cobertura internacional aprofundada, servindo como contraponto ao estilo mais direto de seus concorrentes. A emissora também se destacou na cobertura de grandes eventos.

O carnaval era um dos carros-chefes do canal. Com transmissões grandiosas diretamente do Sambódromo do Rio de Janeiro, a Manchete investia em tecnologia, como o uso de dirigíveis para imagens aéreas, e em uma abordagem que valorizava o espetáculo das escolas de samba. Por muitos anos, a emissora foi líder de audiência nesse período, tornando-se referência nas transmissões da folia carioca.

Além disso, a Manchete produziu documentários e programas especiais de alta qualidade, explorando temas que iam da natureza à política, sempre com uma estética visual apurada que era marca registrada da emissora.

O declínio e o fim de um sonho

Apesar do sucesso e da inovação, a trajetória da TV Manchete foi marcada por crises financeiras recorrentes. Os altos investimentos em produções e a forte concorrência levaram a um endividamento crescente. Greves de funcionários por salários atrasados se tornaram comuns nos anos 90, afetando a qualidade e a continuidade da programação.

As tentativas de reerguer o canal não foram suficientes para reverter a situação. A venda para o grupo TeleTV, em 1999, marcou o fim da era Bloch. Após um período conturbado, a emissora saiu do ar em 10 de maio de 1999, dando lugar à RedeTV!. O encerramento das atividades deixou um vácuo e uma sensação de perda para o público que se acostumou com sua programação diferenciada.

O legado da TV Manchete, no entanto, é inegável. A memória afetiva que ela construiu garante que, mesmo décadas após seu fim, a emissora continue viva na lembrança de milhões de brasileiros.

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