Como Cavaleiros do Zodíaco ensinou mitologia grega a uma geração

A morte de Nobuo Yamada, a voz por trás das canções de “Os Cavaleiros do Zodíaco”, despertou uma onda de nostalgia em milhões de brasileiros. A comoção resgatou a memória afetiva de uma época em que um anime japonês se tornou, inesperadamente, a primeira grande aula de mitologia grega para toda uma geração.

Antes da popularização da internet, quando o acesso à informação era limitado a enciclopédias e livros didáticos, a saga de Seiya e seus amigos cumpriu um papel cultural único. Exibido pela primeira vez no Brasil em 1994, na extinta Rede Manchete, o desenho capturou a atenção do público com sua trama dramática, batalhas emocionantes e, principalmente, um universo riquíssimo ancorado nas lendas da Grécia Antiga.

Diferente de outras animações da época, “Os Cavaleiros do Zodíaco” não subestimava sua audiência. A história apresentava conceitos complexos, dilemas morais e uma estrutura narrativa que bebia diretamente dos épicos gregos. Os jovens espectadores eram apresentados a deuses, heróis e monstros não como figuras distantes dos livros de história, mas como personagens ativos e com motivações claras dentro de uma guerra cósmica.

A trama central girava em torno de Atena, a deusa da sabedoria e da guerra justa, reencarnada no corpo da jovem Saori Kido. Sua missão era proteger a Terra das ambições de outras divindades do Olimpo. Essa premissa, por si só, já introduzia o conceito do panteão grego, com suas hierarquias e disputas familiares, de uma forma muito mais dinâmica do que qualquer resumo escolar.

O panteão de deuses e heróis adaptado

A genialidade da obra de Masami Kurumada, criador do mangá original, foi traduzir figuras mitológicas em arquétipos com os quais o público pudesse se identificar. Os Cavaleiros de Bronze representavam cada um uma constelação e carregavam o legado de um mito. A jornada deles pelas Doze Casas do Zodíaco, protegidas pelos Cavaleiros de Ouro, era uma representação moderna dos Doze Trabalhos de Hércules.

Os paralelos eram diretos e fascinantes. Os nomes e as histórias de figuras mitológicas se tornaram parte do vocabulário dos fãs. As principais conexões que o anime estabeleceu incluem:

  • Atena: No anime, uma deusa benevolente e protetora da humanidade, que precisa ser defendida por seus cavaleiros. Na mitologia, é uma figura mais complexa, também deusa da estratégia militar e das artes.
  • Poseidon: Apresentado como o imperador dos mares e um dos principais antagonistas da série. Sua rivalidade com Atena pelo domínio da Terra é um dos conflitos mais antigos da mitologia grega.
  • Hades: O deus do submundo, retratado como o inimigo final dos cavaleiros. A saga de Hades mergulha fundo nas representações do pós-vida grego, com referências ao Rio Aqueronte e aos juízes do inferno.
  • Constelações e Heróis: Cada armadura era ligada a uma constelação, que por sua vez remetia a um herói ou criatura mítica. Seiya de Pégaso evocava o cavalo alado que ajudou o herói Belerofonte. Shiryu de Dragão e Hyoga de Cisne também tinham suas origens em lendas celestes conhecidas pelos gregos.

Essa abordagem transformou a astronomia em algo pessoal. Crianças e adolescentes passaram a olhar para o céu noturno tentando identificar as constelações de seus personagens favoritos.

Do Olimpo ao Inferno de Dante

A influência não se limitou aos personagens. O próprio cenário da série era uma imersão na cultura clássica. O Santuário de Atena era uma recriação idealizada da Acrópole de Atenas, com seus templos, colunas e escadarias monumentais. A arquitetura e a estética transportavam o espectador para uma Grécia de mitos e lendas.

Na Saga de Hades, a obra foi ainda mais longe. A jornada dos cavaleiros pelo mundo dos mortos era uma adaptação visual do Inferno descrito por Homero e Virgílio, mas com claras inspirações na obra “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri. O anime misturava as tradições grega e romana com a visão medieval do inferno, criando uma tapeçaria cultural rica e multifacetada.

O sucesso de “Cavaleiros do Zodíaco” funcionou como um portal. O anime despertou a curiosidade sobre temas que, para muitos, pareciam áridos ou distantes. Termos como “cosmo”, “Sétimo Sentido” e os nomes dos golpes, muitas vezes em inglês ou inspirados em outras culturas, compunham um léxico próprio que uniu uma geração.

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