O programa espacial brasileiro que talvez você não conheça

O programa espacial brasileiro que talvez você não conheça

O cancelamento de uma conferência espacial militar que seria organizada em conjunto pela Força Aérea Brasileira (FAB) e pelos Estados Unidos trouxe à tona não apenas uma crise diplomática, mas também a curiosidade sobre um setor estratégico do Brasil: o programa espacial do país.

Longe dos holofotes, o programa espacial brasileiro acumula feitos importantes e desenvolve tecnologias que impactam diretamente o dia a dia da população, da previsão do tempo ao monitoramento da Amazônia.

Enquanto a Base de Alcântara, no Maranhão, é a face mais conhecida desse esforço, o trabalho vai muito além. O Brasil projeta, constrói e opera seus próprios satélites, participa de cooperações internacionais e busca autonomia no acesso ao espaço. Conhecer essa trajetória é entender uma área fundamental para a soberania e o desenvolvimento tecnológico do país.

Os satélites que vigiam o Brasil

O grande sucesso do programa espacial brasileiro está na sua capacidade de desenvolver satélites. Essa jornada começou em 1993, com o lançamento do SCD-1, o primeiro equipamento do tipo inteiramente projetado e construído no país. Ainda em operação, ele coleta dados ambientais de plataformas espalhadas pelo território nacional, um marco de resistência tecnológica.

A partir daí, a expertise nacional cresceu. Um dos projetos mais duradouros e bem-sucedidos é o CBERS, uma parceria com a China que já dura mais de três décadas. A sigla significa Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres. Essa colaboração já rendeu seis satélites lançados, fornecendo imagens cruciais para o monitoramento de desmatamentos, a expansão agrícola e o planejamento urbano.

As imagens geradas pelo programa CBERS são distribuídas gratuitamente e usadas por diversas instituições governamentais e de pesquisa. Elas são a base para o sistema DETER, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que emite alertas rápidos de desmatamento na Amazônia, uma ferramenta reconhecida mundialmente.

O ápice da autonomia nacional veio em 2021, com o lançamento do Amazônia-1. Ele foi o primeiro satélite de observação da Terra completamente desenhado, montado e testado em solo brasileiro. Sua missão principal é fornecer imagens de alta resolução para vigiar o desmatamento, especialmente na região amazônica, complementando os dados de outros satélites.

O sucesso do Amazônia-1 consolidou a Plataforma Multimissão (PMM), uma estrutura modular desenvolvida pelo Inpe que pode ser adaptada para diferentes tipos de satélites e missões. Essa tecnologia permite ao Brasil construir novos equipamentos de forma mais rápida e barata, um passo estratégico para o futuro do programa.

Comunicação e defesa no espaço

O Brasil também opera no campo das comunicações. O Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), lançado em 2017, é um exemplo de projeto de uso duplo. Ele garante comunicações seguras para as Forças Armadas e, ao mesmo tempo, leva internet de banda larga a regiões remotas do país, incluindo escolas e postos de saúde em locais onde a fibra óptica não chega.

O SGDC representou um investimento significativo e colocou o Brasil em um seleto grupo de países com satélites geoestacionários próprios. Sua operação é controlada por brasileiros a partir de estações em Brasília e no Rio de Janeiro, garantindo a soberania sobre as comunicações estratégicas do governo federal.

O desafio dos foguetes

Se a área de satélites é um ponto de orgulho, a de lançadores é o maior desafio. O Brasil busca há décadas desenvolver um foguete próprio para colocar seus satélites em órbita a partir de Alcântara, o que traria autonomia total ao programa espacial. A principal aposta foi o Veículo Lançador de Satélites (VLS).

No entanto, dificuldades e o trágico acidente de 2003, quando o foguete explodiu na plataforma de lançamento dias antes do voo, causando a morte de 21 técnicos, marcam a trajetória do VLS. O evento foi um golpe profundo para o programa, mas não o encerrou. As investigações levaram a aprimoramentos nos protocolos de segurança e na tecnologia.

Hoje, o foco está no desenvolvimento de veículos de menor porte. O Veículo Lançador de Microssatélites (VLM) é a principal aposta atual. Projetado para colocar em órbita cargas de até 30 quilos, atende a uma demanda crescente do mercado global de pequenos satélites e serve como um passo importante para o domínio da tecnologia de lançamento.

O futuro do programa espacial

O futuro do programa espacial brasileiro passa pela consolidação de suas áreas de sucesso e pela superação dos desafios históricos. A continuidade do desenvolvimento de satélites da família Amazônia está planejada, com os modelos 1B e 2, para garantir a vigilância contínua do território.

Em paralelo, o Centro Espacial de Alcântara se abre para o mercado global. Após a ratificação do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas com os Estados Unidos, a base pode receber lançamentos de foguetes de empresas e governos de todo o mundo. Sua localização privilegiada, próxima à linha do Equador, permite uma economia de até 30% no combustível, tornando-a comercialmente atraente.

A exploração comercial de Alcântara pode gerar receitas importantes para financiar os projetos nacionais, incluindo o desenvolvimento de novos foguetes. O objetivo é criar um ciclo virtuoso, no qual a infraestrutura brasileira gera recursos que impulsionam a própria tecnologia do país.

Apesar dos percalços orçamentários e dos reveses, o programa espacial brasileiro demonstra resiliência. Os feitos alcançados mostram uma capacidade tecnológica sólida, essencial para um país com as dimensões e os desafios do Brasil.

Investir no setor espacial não é apenas uma questão de prestígio, mas de soberania, segurança e desenvolvimento econômico. Os satélites, foguetes e a ciência gerada por eles são ferramentas indispensáveis para proteger o meio ambiente, conectar a população e garantir um futuro mais tecnológico para o país.

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