A recente alta nas ações da M. Dias Branco, gigante brasileira do setor de massas e biscoitos, chamou a atenção do mercado financeiro. O otimismo dos investidores, no entanto, contrasta com uma realidade preocupante que se desenha nas lavouras e pode chegar em breve, com mais força, à sua despensa: a produção global de trigo está sob forte pressão, ameaçando o futuro de um dos pratos mais populares do mundo, o macarrão.
O que acontece em uma fazenda no Canadá ou em um porto na Ucrânia impacta diretamente o preço do espaguete no supermercado da esquina. Este fenômeno não é uma coincidência, mas o resultado de uma combinação de fatores que envolvem mudanças climáticas severas e conflitos geopolíticos. Entender essa cadeia complexa é fundamental para compreender por que as prateleiras de macarrão podem ficar mais vazias ou, no mínimo, bem mais caras.
O clima como vilão principal
O coração do problema está em uma variedade específica de grão: o trigo durum. Conhecido por seu alto teor de proteína e glúten, ele é o ingrediente ideal para a produção de massas de alta qualidade, conferindo a textura “al dente” tão apreciada. Contudo, o trigo durum é uma planta exigente, que prospera em condições de clima seco e quente durante o dia e noites frescas, um equilíbrio cada vez mais raro no planeta.
O Canadá, um dos maiores produtores e exportadores mundiais de trigo durum, tem enfrentado secas históricas. Nos últimos anos, regiões produtoras como Saskatchewan e Alberta registraram ondas de calor extremo e falta de chuva que devastaram as colheitas. Em alguns ciclos, a quebra de safra chegou a quase 50%, um volume gigantesco que simplesmente desapareceu do mercado global. A consequência imediata foi uma disparada no preço da matéria-prima.
Na Europa, a situação não é diferente. A Itália, berço do macarrão e consumidora voraz de trigo durum, também sofre com eventos climáticos extremos. Secas prolongadas no vale do rio Pó, uma das áreas agrícolas mais importantes do país, comprometeram a produção local. Quando a oferta interna cai, a Itália precisa importar mais, aumentando a competição pelo pouco trigo durum disponível no mercado internacional e pressionando ainda mais os preços para cima.
O peso dos conflitos globais
Como se os desafios climáticos não fossem suficientes, a guerra na Ucrânia adicionou uma camada de instabilidade ao mercado de grãos. Embora a Ucrânia e a Rússia não sejam os principais produtores de trigo durum, elas são gigantes na exportação do trigo comum, commodity essencial para a produção de pães e outros alimentos. A guerra interrompeu drasticamente esse fluxo.
O bloqueio de portos no Mar Negro, a destruição de silos e a dificuldade de escoamento da produção ucraniana criaram um vácuo na oferta global de trigo. Com menos trigo comum disponível, a demanda por outras variedades, incluindo o durum, aumenta como alternativa. Esse efeito cascata gera uma pressão compradora generalizada, fazendo com que o preço de todos os tipos de trigo suba, independentemente de onde são cultivados.
Além disso, a instabilidade geopolítica leva a medidas protecionistas. Países produtores, preocupados em garantir o abastecimento interno, podem restringir ou proibir a exportação de seus grãos. A Índia, por exemplo, chegou a vetar exportações de trigo em 2022 para controlar a inflação local. Cada decisão como essa reduz a quantidade de grão disponível no comércio mundial, tornando o cenário ainda mais competitivo e caro para países importadores como o Brasil.
Como a crise chega ao seu carrinho
O caminho do trigo da lavoura até o pacote de macarrão é uma sucessão de custos crescentes. O agricultor que colheu menos por causa da seca precisa vender seu produto por um preço maior para cobrir seus custos e ter lucro. A indústria de moagem, que transforma o grão em sêmola, paga mais caro pela matéria-prima.
Empresas como a M. Dias Branco, que fabricam a massa, recebem essa sêmola com preço elevado. Somam-se a isso outros custos que também subiram, como a energia usada nas fábricas e o combustível para transportar o produto final até os centros de distribuição e supermercados. Inevitavelmente, essa conta é repassada, em parte ou na totalidade, para o consumidor final.
O bom desempenho financeiro de uma empresa do setor, mesmo em um cenário de crise de matéria-prima, pode ser explicado por estratégias eficientes de gestão. Compras antecipadas de matéria-prima (hedge), otimização de processos produtivos e ajustes de preços bem calculados permitem que a companhia navegue pela tempestade e apresente resultados sólidos. Para o consumidor, porém, a realidade sentida é a do preço mais alto na gôndola.
O futuro do macarrão passa pela adaptação. Pesquisas buscam desenvolver variedades de trigo mais resistentes à seca e ao calor. Agricultores investem em tecnologias de agricultura de precisão para otimizar o uso da água. A indústria também explora alternativas, como a mistura de diferentes tipos de farinha ou a popularização de massas feitas com outros ingredientes, como lentilha, grão-de-bico ou milho.
Aquele pacote de espaguete, aparentemente simples, carrega hoje uma história complexa sobre o delicado equilíbrio do nosso planeta e da economia global.

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