Como outros países lidam com a questão da população de rua

Entre os extremos da repressão e da moradia incondicional, existem inúmeras abordagens intermediárias

A recente polêmica em Divinópolis, Minas Gerais, onde um prefeito enfrenta um pedido de cassação por declarações sobre a população em situação de rua, joga luz sobre um debate que não é apenas local. O desafio de como lidar com o crescente número de pessoas vivendo nas ruas é um quebra-cabeça global, com cidades e países adotando estratégias que vão do acolhimento incondicional à criminalização explícita.

Enquanto algumas administrações apostam em políticas de repressão, com leis que proíbem acampar em espaços públicos, outras investem em modelos inovadores que oferecem moradia como o primeiro passo para a reintegração social. Não existe uma fórmula mágica, mas a análise de diferentes abordagens ao redor do mundo revela caminhos e lições importantes sobre o que funciona e o que apenas agrava o problema.

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Modelos baseados na repressão e criminalização

Em várias partes do mundo, a resposta predominante ao aumento da população de rua tem sido a repressão. Cidades nos Estados Unidos, por exemplo, implementaram leis que proíbem dormir, sentar ou guardar pertences em calçadas e parques. Essas medidas, conhecidas como “ordenanças de qualidade de vida”, visam tornar a permanência em espaços públicos inviável, forçando o deslocamento dessas pessoas para outras áreas.

Na Europa, a Hungria se destaca por ter uma das legislações mais severas. O país alterou sua Constituição para proibir “residir habitualmente em um espaço público”. Na prática, a medida permite que a polícia remova pessoas das ruas e confisque seus bens. Críticos apontam que essas políticas não resolvem as causas da vulnerabilidade, apenas escondem a pobreza e geram um ciclo de multas e prisões que dificulta ainda mais a saída das ruas.

O argumento por trás dessas abordagens geralmente envolvem a segurança pública, a revitalização de áreas urbanas e a pressão do comércio local. No entanto, a eficácia é questionável, pois o problema é transferido de um lugar para outro sem oferecer uma solução duradoura para os indivíduos afetados.

A abordagem do “Housing First”

Na contramão da criminalização, o modelo “Housing First”, ou “Moradia Primeiro”, tem ganhado destaque como uma das estratégias mais eficazes. O princípio é simples e revolucionário: oferecer uma moradia segura e permanente como o primeiro passo, sem exigir que a pessoa cumpra pré-requisitos como abstinência de álcool ou drogas, ou que esteja empregada.

A Finlândia é o principal exemplo de sucesso dessa política. O país praticamente eliminou o problema da população de rua de longa duração ao transformar abrigos temporários em moradias permanentes e investir na construção de unidades habitacionais. Uma vez alocada, a pessoa recebe suporte contínuo de equipes de saúde, assistência social e orientação profissional para reconstruir sua vida.

Estudos sobre o modelo finlandês mostram que, embora o investimento inicial seja alto, a estratégia gera economia a longo prazo. Os custos com serviços de emergência, sistema de saúde e justiça criminal diminuem drasticamente. Cidades em outros países, como Canadá, França e Estados Unidos, também adotaram versões do “Housing First” com resultados positivos, demonstrando sua aplicabilidade em diferentes contextos.

Soluções intermediárias e de acolhimento

Entre os extremos da repressão e da moradia incondicional, existem inúmeras abordagens intermediárias. Muitas cidades operam uma vasta rede de abrigos noturnos, que oferecem um local seguro para dormir, mas geralmente com regras rígidas e caráter temporário. Nova York, por exemplo, possui uma lei que garante o “direito ao abrigo”, obrigando a cidade a fornecer uma cama para qualquer pessoa que a solicite.

Outras políticas focam na prevenção, oferecendo auxílio financeiro para famílias em risco de despejo ou programas de capacitação profissional para reinserção no mercado de trabalho. A integração de serviços de saúde mental e tratamento para dependência química também é um pilar fundamental em muitas estratégias, reconhecendo que esses fatores são tanto causa quanto consequência da vida nas ruas.

Em Viena, na Áustria, o sistema é multifacetado, combinando abrigos de emergência, moradias de transição e apartamentos sociais com forte apoio psicossocial. A abordagem reconhece que as necessidades são diversas e que um único modelo não serve para todos. O sucesso dessas iniciativas depende da coordenação entre diferentes agências governamentais e da participação de organizações não governamentais.

Em várias partes do mundo, a resposta predominante ao aumento da população de rua tem sido a repressão
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O que é o modelo “Housing First”?

É uma política pública que oferece moradia segura e permanente como primeiro passo para pessoas em situação de rua.

A ideia central é que, com um lar estável, o indivíduo tem a base necessária para lidar com outras questões, como saúde e emprego.

Quais países criminalizam a população de rua?

A Hungria é um dos exemplos mais conhecidos, com leis que proíbem a permanência habitual em espaços públicos.

Nos Estados Unidos, diversas cidades possuem ordenanças que criminalizam atividades como dormir ou acampar em locais públicos.

Por que a abordagem da Finlândia é considerada um sucesso?

A Finlândia conseguiu reduzir drasticamente o número de pessoas em situação de rua de longa duração adotando o “Housing First”.

O modelo se mostrou mais econômico a longo prazo, diminuindo gastos com serviços de emergência, saúde e sistema judiciário.

Existe uma solução única para o problema da população de rua?

Não. As experiências globais mostram que não há uma fórmula única, pois as causas e características do problema variam localmente.

As estratégias mais bem-sucedidas costumam combinar diferentes abordagens, como prevenção, moradia e suporte integrado de saúde.

Qual a relação entre saúde mental e a situação de rua?

A relação é uma via de mão dupla. Problemas de saúde mental e dependência química podem levar uma pessoa à situação de rua.

Ao mesmo tempo, as condições de vida nas ruas agravam ou desencadeiam esses quadros, criando um ciclo difícil de ser quebrado.

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