A eleição de Tancredo Neves em 1985 marcou o fim de duas décadas de regime militar e o início da Nova República. Contudo, sua morte antes da posse deixou um vácuo e um plano de governo que nunca saiu do papel. O projeto, elaborado para guiar a transição democrática, continha propostas detalhadas para estabilizar a economia, combater a desigualdade social e reinserir o Brasil no cenário internacional.
O Brasil daquela época enfrentava uma crise profunda, com a inflação anual superando os 200% e uma dívida externa gigantesca. O plano de Tancredo, concebido por uma equipe de notáveis economistas, propunha uma abordagem gradual e negociada, diferente das terapias de choque que se tornariam comuns na América Latina. A ideia central era construir um “pacto social” para guiar o país na delicada transição.
Um choque negociado contra a inflação
O principal desafio do novo governo seria a economia. A proposta de Tancredo se distanciava de congelamentos abruptos de preços e salários. O caminho escolhido era o do diálogo. O plano previa a criação de um pacto envolvendo governo, empresários e trabalhadores para controlar a escalada inflacionária de forma coordenada.
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A estratégia passava por um controle rígido dos gastos públicos, com cortes em despesas consideradas não essenciais e a renegociação da dívida externa. O objetivo era restaurar a credibilidade fiscal do país sem paralisar os investimentos em áreas prioritárias. A reforma tributária também estava no radar, visando tornar o sistema mais justo e eficiente na arrecadação.
Diferente do Plano Cruzado, implementado um ano depois por seu sucessor, José Sarney, o projeto de Tancredo não apostava em medidas de impacto imediato. Acreditava-se que a confiança gerada pelo pacto social seria suficiente para reverter as expectativas negativas e iniciar um ciclo de estabilização duradoura, evitando o desabastecimento e as distorções que marcaram os planos posteriores.
A prioridade era o social
O lema da campanha, que prometia “um prato de comida para cada brasileiro”, refletia a urgência da agenda social. O plano de governo detalhava um programa emergencial para combater a fome e a miséria, com distribuição de alimentos e a criação de uma rede de proteção para as populações mais vulneráveis. A meta era garantir segurança alimentar em um país marcado por profundas desigualdades.
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A saúde e a educação também recebiam atenção especial. O projeto previa o fortalecimento do sistema público de saúde, que mais tarde daria origem ao Sistema Único de Saúde (SUS). Na educação, a meta era universalizar o acesso ao ensino fundamental e iniciar um programa de erradicação do analfabetismo, considerado um obstáculo ao desenvolvimento e à cidadania plena.
Outro pilar do plano era a reforma agrária. O tema, sempre sensível, seria enfrentado com um programa de distribuição de terras improdutivas. A proposta buscava resolver conflitos no campo e fixar o homem na terra, estimulando a pequena produção agrícola e a agricultura familiar. A ideia era promover justiça social e, ao mesmo tempo, aumentar a produção de alimentos para o mercado interno.
Relações exteriores e a nova Constituição
No campo político, a principal e mais urgente missão era a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Tancredo entendia que a nova fase democrática precisava de uma nova base legal, uma Constituição que garantisse os direitos individuais e sociais, sepultando de vez o entulho autoritário deixado pelo regime militar. A nova Carta Magna seria o alicerce da Nova República.
A política externa também passaria por uma reformulação completa. O plano previa uma diplomacia mais independente e pragmática. O Brasil buscaria se reaproximar de nações latino-americanas e restabelecer relações diplomáticas com países como Cuba, rompidas durante o regime militar. A ideia era que o país assumisse um papel de liderança regional, baseado na cooperação e no respeito à autodeterminação dos povos.
Com a morte de Tancredo Neves, José Sarney assumiu a presidência. Embora tenha cumprido a promessa de convocar a Constituinte, que resultou na Constituição de 1988, a condução da economia seguiu um caminho muito diferente. O pacto social deu lugar a planos de choque, e a estabilização econômica só viria quase uma década depois.

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